Coisas das Viagens - 3 noites em Sarajevo: noite primeira
Das viagens fermentam histórias; as nossas e a dos outros. Esta que se segue passou-se comigo.
...por volta das 14:00 cheguei a Ploce, que é o único lugar do sul da Croácia onde se pode apanhar um combóio para a Bósnia. A Paula, uma simpática croata que eu houvera conhecido no autocarro de Dubrovnik, indicou-me o caminho para a estação, decifrou os horários expostos e fez-me a reserva da viagem.
Apanhei o comboio para Mostar. Estava sozinho na cabine até aparecer o revisor, a quem mostrei o bilhete global de inter-rail, aliás como sempre houvera feito até ali. O revisor, impávido, olhou para mim e tentou dizer qualquer coisa que não percebi - não falava inglês, e eu não entendia outra coisa...Assim, levou o meu bilhete e procurou alguém que falasse as duas líguas; este rapaz olhou desapontado para mim e disse-me que o bilhete não funcionava na Bósnia, apesar de vir lá indicada a ex-Jogoslávia, como país aderente...
Perguntei-lhe quanto teria de pagar - "não é caro de certeza", disse-me ele - vasculhei a minha bolsa e encontrei uma nota de 50 kunas (7 €) que me tinha sobrado da Croácia. Mostrei a nota ao revisor dizendo que era tudo o que tinha (a verdade, portanto) e ele disse qualquer coisa como "excepcionalmente, vou aceitar kunas, mas tens que pagar o bilhete até Sarajevo." Eu fiquei parvo com a conversa, mas já estava tão farto de o aturar que disse OK-siga-a-marcha. Deu-me 1 KM (konvertible marks) de troco, que equivale a 1€.
Sentei-me e resolvi que não iria gastar mais dinheiro nos combóios da Bósnia; decidi ir mesmo até Sarajevo. Em Mostar, entrou uma família bósnia, creio, duas mães, um filho a dormir, um outro irrequieto e uma adolescente que via a MTV.
O míudo queria vir para a janela; mas eu não deixei e disse-lhe (dentro das limitações da circunstância linguística) que eu ainda era mais pequenino do que ele porque vinha de muito longe e era a primeira vez que andava naquele comboio. Mostrei-lhe um mapa da Europa e apontei a distância que existe entre Portugal e Bósnia. Ele, de pirralho choramingas, passou a tímido observador e, 10 minutos depois, já queria que eu brincásse com os seus carrinhos em miniatura.
Entretanto, depois da minha primeira conversa sobre a guerra (com a mãe que arranhava um pouco de Inglês), a tímida adolescente deixou de ser tímida, começou a falar num Inglês irrepreensível sobre os complicados assuntos de que nem eu estava bem informado...
Em uma frase; esta adolescente começou a falar e nunca mais parou; cada vez que terminava de fazer a sua exposição "sábia" de um assunto, arranjava logo outro que a mantinha a falar (e eu, a ouvir...) na próxima meia-hora...acabei por lhe dizer o que achei "tens uma inteligência impressionante, espero que vás para Hollywood, como ambicionas" porque, sim, entre outras coisas (como casar comigo...), ela queria ser actriz.
Se tivesse parado em Mostar, teria chegado a uma boa hora para arranjar uma cama e outros bens essenciais, mas não foi isso que aconteceu...
Cheguei a Sarajevo por volta das 22:00, a primeira coisa que fiz foi procura uma ATM. Esta estação ferroviária foi a única (de todo o trajecto do Inter-rail) em que não encontrei multibanco...
Assim, sozinho, teso, de mochila às costas e sem cama para passar a noite, saí da estação e tentei falar com as poucas pessoas que passavam; nenhuma falava Inglês: "Speak German?", perguntavam, e eu, desesperado, simplesmente abanava negativamente a cabeça.
Passei num quiosque onde encontrei uma jovem que arranhava Inglês; perguntei-lhe se existiam ATM's por perto e ela sorriu e disse que não...Posto isto, eu expliquei-lhe que apenas tinha 1 KM comigo e uns números de telefone de possíveis locais para ficar a dormir (do guia da Lonely Planet); ela disse-me que não existiam cabines de moedas em Sarajevo e gentilmente emprestou-me o seu cartão para eu tentar a minha sorte ("Just give it back to me when you finish...").
O primeiro, não atendeu; o segundo e o terceiro eram FAX; o quarto era um homem, com sotaque pseudo-indiano que só sabia dizer "no problemo!"..."Good night, I need acommodation for tonight." - "No problemo, no problemo!" - "And who can I go in your place?" - "No problemo, no problemo!"...Ficamos nisto durante uns dois minutos, até que desliguei.
Regressei à jovem do quiosque e comuniquei-lhe a minha infrutividade...perguntei-lhe se ela não tinha alguma ideia brilhante para a minha situação: "Well, I know a place called Banana City...you have to take two trams to reach there; with the money you have, you could only pay one tram ticket, so you're going to explain to the first driver your situation...I'm sure he will understand!"
E assim foi, o motorista não percebeu nada da minha conversa mas foi um porreiro! deixou-me andar de borla e indicou-me onde apanharia o segundo tram.
Gastei a única moeda de KM que tinha num bilhete de tram para o Banana City. O segundo motorista avisou-me quando chegámos à respectiva paragem.
Tudo em Sarajevo é escuro...os problemas da iluminação pública são comuns fora do centro da cidade; o Banana City não é excepção...
Ao entrar percebi que estava numa espécie de enorme mercado a céu aberto; havia homens a carregar centenas de caixas de bananas para os postos de venda; preparavam a manhã seguinte. A quantidade de lixo no chão era tão grande que, para se andar, era preciso dar pontapés nas caixas de cartão. Por esta altura eu perguntava-me: vim dormir para um mercado??
Quinze minutos a andar foram suficientes para encontrar a barraca de madeira onde ia dormir. Entrei, na recepção estava uma bonita jovem sob o efeito de uma droga que não consegui reconhecer...falava bem Inglês. "You're lucky! We just have one single room avaiable, and it's for you!". Perguntei-lhe se poderia comer qualquer coisa pagando no dia seguite, "sure we have a restaurant upstairs, I will put it in your bill and you pay tomorrow".
Comi, fui para o meu quarto, liguei a televisão, enrrolei-me no meu saco-cama e adormeci.
...por volta das 14:00 cheguei a Ploce, que é o único lugar do sul da Croácia onde se pode apanhar um combóio para a Bósnia. A Paula, uma simpática croata que eu houvera conhecido no autocarro de Dubrovnik, indicou-me o caminho para a estação, decifrou os horários expostos e fez-me a reserva da viagem.
Apanhei o comboio para Mostar. Estava sozinho na cabine até aparecer o revisor, a quem mostrei o bilhete global de inter-rail, aliás como sempre houvera feito até ali. O revisor, impávido, olhou para mim e tentou dizer qualquer coisa que não percebi - não falava inglês, e eu não entendia outra coisa...Assim, levou o meu bilhete e procurou alguém que falasse as duas líguas; este rapaz olhou desapontado para mim e disse-me que o bilhete não funcionava na Bósnia, apesar de vir lá indicada a ex-Jogoslávia, como país aderente...
Perguntei-lhe quanto teria de pagar - "não é caro de certeza", disse-me ele - vasculhei a minha bolsa e encontrei uma nota de 50 kunas (7 €) que me tinha sobrado da Croácia. Mostrei a nota ao revisor dizendo que era tudo o que tinha (a verdade, portanto) e ele disse qualquer coisa como "excepcionalmente, vou aceitar kunas, mas tens que pagar o bilhete até Sarajevo." Eu fiquei parvo com a conversa, mas já estava tão farto de o aturar que disse OK-siga-a-marcha. Deu-me 1 KM (konvertible marks) de troco, que equivale a 1€.
Sentei-me e resolvi que não iria gastar mais dinheiro nos combóios da Bósnia; decidi ir mesmo até Sarajevo. Em Mostar, entrou uma família bósnia, creio, duas mães, um filho a dormir, um outro irrequieto e uma adolescente que via a MTV.
O míudo queria vir para a janela; mas eu não deixei e disse-lhe (dentro das limitações da circunstância linguística) que eu ainda era mais pequenino do que ele porque vinha de muito longe e era a primeira vez que andava naquele comboio. Mostrei-lhe um mapa da Europa e apontei a distância que existe entre Portugal e Bósnia. Ele, de pirralho choramingas, passou a tímido observador e, 10 minutos depois, já queria que eu brincásse com os seus carrinhos em miniatura.
Entretanto, depois da minha primeira conversa sobre a guerra (com a mãe que arranhava um pouco de Inglês), a tímida adolescente deixou de ser tímida, começou a falar num Inglês irrepreensível sobre os complicados assuntos de que nem eu estava bem informado...
Em uma frase; esta adolescente começou a falar e nunca mais parou; cada vez que terminava de fazer a sua exposição "sábia" de um assunto, arranjava logo outro que a mantinha a falar (e eu, a ouvir...) na próxima meia-hora...acabei por lhe dizer o que achei "tens uma inteligência impressionante, espero que vás para Hollywood, como ambicionas" porque, sim, entre outras coisas (como casar comigo...), ela queria ser actriz.
Se tivesse parado em Mostar, teria chegado a uma boa hora para arranjar uma cama e outros bens essenciais, mas não foi isso que aconteceu...
Cheguei a Sarajevo por volta das 22:00, a primeira coisa que fiz foi procura uma ATM. Esta estação ferroviária foi a única (de todo o trajecto do Inter-rail) em que não encontrei multibanco...
Assim, sozinho, teso, de mochila às costas e sem cama para passar a noite, saí da estação e tentei falar com as poucas pessoas que passavam; nenhuma falava Inglês: "Speak German?", perguntavam, e eu, desesperado, simplesmente abanava negativamente a cabeça.
Passei num quiosque onde encontrei uma jovem que arranhava Inglês; perguntei-lhe se existiam ATM's por perto e ela sorriu e disse que não...Posto isto, eu expliquei-lhe que apenas tinha 1 KM comigo e uns números de telefone de possíveis locais para ficar a dormir (do guia da Lonely Planet); ela disse-me que não existiam cabines de moedas em Sarajevo e gentilmente emprestou-me o seu cartão para eu tentar a minha sorte ("Just give it back to me when you finish...").
O primeiro, não atendeu; o segundo e o terceiro eram FAX; o quarto era um homem, com sotaque pseudo-indiano que só sabia dizer "no problemo!"..."Good night, I need acommodation for tonight." - "No problemo, no problemo!" - "And who can I go in your place?" - "No problemo, no problemo!"...Ficamos nisto durante uns dois minutos, até que desliguei.
Regressei à jovem do quiosque e comuniquei-lhe a minha infrutividade...perguntei-lhe se ela não tinha alguma ideia brilhante para a minha situação: "Well, I know a place called Banana City...you have to take two trams to reach there; with the money you have, you could only pay one tram ticket, so you're going to explain to the first driver your situation...I'm sure he will understand!"
E assim foi, o motorista não percebeu nada da minha conversa mas foi um porreiro! deixou-me andar de borla e indicou-me onde apanharia o segundo tram.
Gastei a única moeda de KM que tinha num bilhete de tram para o Banana City. O segundo motorista avisou-me quando chegámos à respectiva paragem.
Tudo em Sarajevo é escuro...os problemas da iluminação pública são comuns fora do centro da cidade; o Banana City não é excepção...
Ao entrar percebi que estava numa espécie de enorme mercado a céu aberto; havia homens a carregar centenas de caixas de bananas para os postos de venda; preparavam a manhã seguinte. A quantidade de lixo no chão era tão grande que, para se andar, era preciso dar pontapés nas caixas de cartão. Por esta altura eu perguntava-me: vim dormir para um mercado??
Quinze minutos a andar foram suficientes para encontrar a barraca de madeira onde ia dormir. Entrei, na recepção estava uma bonita jovem sob o efeito de uma droga que não consegui reconhecer...falava bem Inglês. "You're lucky! We just have one single room avaiable, and it's for you!". Perguntei-lhe se poderia comer qualquer coisa pagando no dia seguite, "sure we have a restaurant upstairs, I will put it in your bill and you pay tomorrow".
Comi, fui para o meu quarto, liguei a televisão, enrrolei-me no meu saco-cama e adormeci.
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