Coisas do Cinema – Nostalghia (1983) e uma crítica há muito por escrever, aqui
Entre todas as coisas boas que a invenção americana da indústria cinematográfica (D. W. Griffith) trouxe ao desenvolvimento da sétima arte, existem muitas outras coisas menos boas. Uma dessas coisas foi a “habituação” que criou no espectador comum: não há pachorra para o cinema lírico, vulgarmente chamado por “cinema de autor”. A minha questão é a seguinte: a que é que cada um de nós chama cinema? Arte? Entretenimento? Outra-coisa-qualquer? Talvez a perversidade que nos é servida de bandeja pelas editoras e produzida pelos grandes estúdios. Hoje, quem define o que é o cinema são os senhores que possuem o poder de produzir e distribuir estas dispendiosas bobines.
Dizia eu que, a perversidade deste poder, cria, convenientemente, uma “habituação” no espectador comum: isto significa que lhe fornece os símbolos e ícones que o sensibilizam; talvez deva mesmo dizer que, tendenciosamente, escolhem estes símbolos por nós (e o que é o “estrelato” afinal?..) e que, inevitavelmente, nos silenciam a imaginação, a espontaneidade, a genuinidade. Isto significa que é quase como aquela velha história de que “a nossa cura é também a nossa doença”.
Bom, não me interessa discutir qual das posturas será a mais perversa e pervertida – se a da moderna indústria, se a de “cinema de autor” – o que me interessa tem mais que ver com o facto de ser muito fácil distrairmo-nos e fechar os olhos a coisas que são muito mais nossas do que aquilo que possamos pensar. Menosprezar essas coisas é menosprezarmo-nos, se bem me faço entender.
E, se isso acontece, então temos uma opção: ou deixar que isso aconteça e pensar que todo este meu discurso é ridículo, ou procurar alternativas; quanto as estas últimas, mais uma vez – e como é evidente – cada um sabe de si.
Entender “o que é o cinema” não é uma discussão fácil; mas entender o que é a pintura (e tudo o resto que envolva o conceito “arte”) também o não é. Contudo, parece-me unânime a ideia de que o cinema é uma arte – e é precisamente neste ponto que gostaria de reticenciar esta minha reflexão.
Adiante.
Para que fique desde já claro: o Sr. Andrei Tarkovsky é o meu realizador favorito (embora a escolha seja complicada...). Foi esse senhor que realizou este Nostalghia.
É o meu realizador favorito porque não se lhe consegue apontar um “erro”; e caso ele exista, é com certeza propositado.
É um grande criativo em múltiplos aspectos que, dos quais, eu só entendo pequena parte.
Os fracos recursos na produção dos filmes que fez não fizeram deles filmes fracos; pelo contrário: fica-me sempre a sensação de ter sido (bem) enganado: “Como é que ele consegue pôr 50 cenas no mesmo espaço e este encontrar-se sempre diferente?!?” Lembra-me os Nenúfares de Monet...
A forma como dá um sentido lírico aos filmes; como extenua e enfatiza coisas banais; a expressão das coisas banais; os sons que nos integram perfeitamente na acção e, no caso concreto deste filme, nos devolvem memórias; e as garrafas que acumulam as gotas de chuva das goteiras do telhado da casa velha dentro das paredes de pedra branca nervuradas com colunatas, formando as espantosas ruínas da catedral... – tudo isto é infinito, tudo isto é lindo, tudo isto é Tarkovsky...
Muito mais haveria para dizer sobre este senhor...tanto que me falta a pachorra para o racionalizar e pôr em palavras. Estranhamente, este filme deixou-me muitas impressões que dão uma forte legitimidade ao seu título; palavra que não é mencionada uma vez sequer ao longo do filme (excepto no próprio título).
Para mim, este é um excelente exemplo daquilo a que chamam cinema, se é que se referem àquele que se refere à arte. Talvez os filmes deste grande realizador não sejam os “melhores filmes”; talvez os “melhores filmes” não sejam feitos por grandes realizadores; o que sei é que, este, é uma das melhores formas de gastar duas horas do nosso precioso tempo (em vez de o gastarmos a ir ver o War of the Worlds, do tio Spielberg, por exemplo...). Mais, é, sem dúvida alguma, uma lição de cinema para quem assim o possa entender. É um “filme chato” de inegável e insólita beleza.
Eventualmente, este é, para alguns, um texto escrito por um conservador; olhem que não, desenganem-se porque é precisamente o contrário.
Obrigado pela atenção.
Mais é aqui.
Dizia eu que, a perversidade deste poder, cria, convenientemente, uma “habituação” no espectador comum: isto significa que lhe fornece os símbolos e ícones que o sensibilizam; talvez deva mesmo dizer que, tendenciosamente, escolhem estes símbolos por nós (e o que é o “estrelato” afinal?..) e que, inevitavelmente, nos silenciam a imaginação, a espontaneidade, a genuinidade. Isto significa que é quase como aquela velha história de que “a nossa cura é também a nossa doença”.
Bom, não me interessa discutir qual das posturas será a mais perversa e pervertida – se a da moderna indústria, se a de “cinema de autor” – o que me interessa tem mais que ver com o facto de ser muito fácil distrairmo-nos e fechar os olhos a coisas que são muito mais nossas do que aquilo que possamos pensar. Menosprezar essas coisas é menosprezarmo-nos, se bem me faço entender.
E, se isso acontece, então temos uma opção: ou deixar que isso aconteça e pensar que todo este meu discurso é ridículo, ou procurar alternativas; quanto as estas últimas, mais uma vez – e como é evidente – cada um sabe de si.
Entender “o que é o cinema” não é uma discussão fácil; mas entender o que é a pintura (e tudo o resto que envolva o conceito “arte”) também o não é. Contudo, parece-me unânime a ideia de que o cinema é uma arte – e é precisamente neste ponto que gostaria de reticenciar esta minha reflexão.
Adiante.
Para que fique desde já claro: o Sr. Andrei Tarkovsky é o meu realizador favorito (embora a escolha seja complicada...). Foi esse senhor que realizou este Nostalghia.
É o meu realizador favorito porque não se lhe consegue apontar um “erro”; e caso ele exista, é com certeza propositado.
É um grande criativo em múltiplos aspectos que, dos quais, eu só entendo pequena parte.
Os fracos recursos na produção dos filmes que fez não fizeram deles filmes fracos; pelo contrário: fica-me sempre a sensação de ter sido (bem) enganado: “Como é que ele consegue pôr 50 cenas no mesmo espaço e este encontrar-se sempre diferente?!?” Lembra-me os Nenúfares de Monet...
A forma como dá um sentido lírico aos filmes; como extenua e enfatiza coisas banais; a expressão das coisas banais; os sons que nos integram perfeitamente na acção e, no caso concreto deste filme, nos devolvem memórias; e as garrafas que acumulam as gotas de chuva das goteiras do telhado da casa velha dentro das paredes de pedra branca nervuradas com colunatas, formando as espantosas ruínas da catedral... – tudo isto é infinito, tudo isto é lindo, tudo isto é Tarkovsky...
Muito mais haveria para dizer sobre este senhor...tanto que me falta a pachorra para o racionalizar e pôr em palavras. Estranhamente, este filme deixou-me muitas impressões que dão uma forte legitimidade ao seu título; palavra que não é mencionada uma vez sequer ao longo do filme (excepto no próprio título).
Para mim, este é um excelente exemplo daquilo a que chamam cinema, se é que se referem àquele que se refere à arte. Talvez os filmes deste grande realizador não sejam os “melhores filmes”; talvez os “melhores filmes” não sejam feitos por grandes realizadores; o que sei é que, este, é uma das melhores formas de gastar duas horas do nosso precioso tempo (em vez de o gastarmos a ir ver o War of the Worlds, do tio Spielberg, por exemplo...). Mais, é, sem dúvida alguma, uma lição de cinema para quem assim o possa entender. É um “filme chato” de inegável e insólita beleza.
Eventualmente, este é, para alguns, um texto escrito por um conservador; olhem que não, desenganem-se porque é precisamente o contrário.
Obrigado pela atenção.
Mais é aqui.
1 Comentários:
sim, é um realizador a ver.
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