Coisas da Fotografia - Nuvens
Muitas Coisas; todas as Coisas das Coisas que se possam Coisar. Coisas?
Fotografias de .G
Mas não se pense que era por acaso. Quando a câmara chegou da Rússia (oito meses depois de a termos encomendado), trazia tudo o que precisávamos para filmar e para a revelação do filme; passa-se que trazia apenas duas bobines de película, com três minutos de filme cada uma.
Mal a máquina chegou, viajamos para Maputo; vestimo-nos bem e os miúdos levavam laços azuis e camisas brancas. Vestimos também algum do pessoal que trabalhava na Roça há mais tempo, e as meninas dos moleques iam com mangas de balão.
Quando já estávamos em frente à casa do governador civil e eu montava o tripé, toda a alegria transformou-se em desilusão: o Zé Canilha (o meu fiel criado), tentando ajudar, retirou a película da bobine (pensando que era isso o suposto). Como se não bastasse, o Tobias (o nosso macaco de estimação) pegou na fita e desatou a correr pela rua...os sipaios ainda foram apanhar-lhe o passo, mas já era tarde demais, a película já havia sido mais que exposta e ficou toda queimada.
De volta a Lourenço Marques, sob o calor abrasador e a poeira intensa, decidi que só usaria a outra película num momento muito especial. Acabou por ficar no frigorífico até ao último dia.
Decidi que a usaria no momento em que decidimos regressar a Lisboa; eu tinha que levar um filme como memória...
Assim, fui sozinho para a Praia de Polana e fiz isto, que se vê.
Este filme lembrar-me os bons tempos que passámos juntos na roça; dos bailes do Pavilhão da Praia, onde dancei com as bifas antes de te conhecer; das tardes que passávamos debaixo das bananeiras; dos imensos campos de milho que cultivámos; da liamba que crescia a cada esquina; do Lamdim que se ouvia dentro dos casebres; da nossa vitória histórica contra o Malhangalene, ai os tempos do hóquei...; do Studbaker que tivemos que deixar para trás; enfim, da família que criámos ao som das ondas.
Música: Cesária Évora, Tchintchirote.
Mais e melhor, é aqui.
«Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Borboletas de sol, de asas magoadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas,
Como em dois lírios roxos e dolentes...
(...)»
Florbela Espanca, excerto de Crepúsculo
Ficava ao fundo de um trilho - desenhado antes por carroças e, agora, pelo daninho abandono - e ao fundo desse trilho havia outro, ali, à direita do carvalho, vês?
Não sei o que me trouxe por cá; disse-lhe que vinha por causa do baú - daquele de que nunca quis voltar a saber, afinal - mas, no meu íntimo, sei que não é verdade.
Os putos partiram-lhe os vidros; os ratos tiraram-lhe a cor; as velhas heras cresceram, e trouxeram-lhe a vida. É estranha esta sensação de voltar a um sítio esquecido; é como se ele agora se vingasse, tendo uma vida própria, mais forte do que a minha.
Mas continuei, cautelosamente, e aproximei-me do baú. Acariciei-o, desenhando-lhe um traço por entre o pó e a fuligem. Assim ficou.
Dirigi-me para aquele que foi o meu quarto durante os meus primeiros 12 anos de vida e, agora, um cenário de aranhas, esperando o próximo festim. Havia as telhas ruídas no soalho de madeira, peguei num casco e limpei-o; dobrei-me de novo para o colocar no sítio de onde o havia apanhado.
O grande corredor parecia-me muito mais pequeno (ai, como cresci...) embora as paredes se encontrassem muito mais densas, invadidas com o musgo.
Esta casa ficou mais luminosa, depois de a deixarmos; e ganhou volume, agora que os raios de sol banham a poeira que levantei.
Agrada-me a ideia de que posso voltar cá sozinho, de quando em vez; hei-de voltar num dia de chuva, com as galochas do avô.
Entrei no carro, antes do anoitecer. Liguei o motor; na câmara fotográfica, não trazia uma fotografia, sequer.