segunda-feira, janeiro 31, 2005

Coisas da vida - Sim, Não ou Talvez?

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Coisas da Fotografia - Tokihiro Sato


Photo-Respiration HATTACH 1 1996
Foto de Tokihiro Sato

domingo, janeiro 30, 2005

Coisas do Cinema – Four Rooms (1995)

Ora aqui está um dos raros momentos em que se vê Hollywood a arriscar. A experiência na produção deste filme foi juntar quatro realizadores diferentes para o fazer (Allison Anders, Alexandre Rockwell, Robert Rodriguez e Quentin Tarantino); o argumento encontra-se também seccionado em quatro partes, em que cada realizador escreve a sua.

O resultado é um “amusing film” coerente, contra o que seria de esperar. De facto, não obstante ter gostado muito do filme, creio que a componente que o poderia elevar mais – a variedade no campo da realização – acabou por não ser explorada da forma artística mais favorável: assumir as diferenças conceptuais de realizador para realizador.

O clima do filme é muito daquilo que Jean-Pierre Jeunet já havia proposto em 1991 com Delicatessen (e não digo isto pela aparição do cutelo...) coisa que resultou muito bem, na altura.

Este é um filme interessante para quem diz que em Hollywood não se faz nada de diferente, ainda que pudesse ser “mais diferente”, é certo.

Fica, assim, o mérito da articulação das histórias diferentes onde a brilhante interpretação do pivot, Bellhop (Marc Lawrence), é a peça fundamental que as agrega.

Ver mais é aqui.




sábado, janeiro 29, 2005

Coisas da Fotografia – Fog pré-matinal no suburbano


Há um momento antes do amanhecer; há um momento em que tudo é ainda noite invernal mas existe uma neblina densa que, apesar de dissipar a nitidez do que se vê, aumenta o volume de iluminação.

É esse o momento em que, nos bairros suburbanos, se sente que todos estão a dormir.

As áreas vazias (por construir) são os depósitos perfeitos para os lagos de ar frio que se fixam resistentemente nos vales e nas bacias baixas, formam um casulo; um crepúsculo; uma bolha; um silo de gente, como que por acidente; à pressão de um par de atmosferas.

As lâmpadas de luz amarela, devido ao facto de serem as mais económicas, são também as que mais proliferam nos candeeiros isolados que vigiam a solidão das ruas.

Mantenham-se adormecidos pois este fantasma gelado garantirá que nada voe daqui para fora; pelo menos até que o sol da manhã dissipe os cristais de gelo.

Coisas de outros blogs - Complexidade e Contradição

Em destaque, também, no Complexidade e Contradição, os excertos cuidadosamente seleccionados de uma entrevista de 1992 feita a Philip Johnson.

Está aqui.

Recomenda-se também o romance "A Imortalidade" de Milan Kundera, para temperar ainda mais a festa!

Coisas de outros blogs - Abrupto

O Abrupto, que tenho vindo a espreitar nos últimos meses, mostrou hoje algo de que gostei muito: o fascínio de um adulto a explicar uma coisa complexa a uma criança. É obrigatório e está aqui.

Coisas da Literatura - The Book of Illusions

"Guilt can cause a man to act against his own best interests, but desire can do that as well, and when guilt and desire are mixed up equally in a man’s hearth, that man is apt to do strange things."

The Book Of Illusions, PaulAuster

sexta-feira, janeiro 28, 2005

Coisas da História – Auschwitz/Birkenau

Fez ontem sessenta anos que os russos tomaram o campo de concentração Auschwitz/Birkenau e libertaram os prisioneiros sobreviventes. O extermínio neste local foi estimado em um milhão e meio de pessoas; um milhão e meio pessoas é 1.500.000 de pessoas...

É-me difícil partilhar o complexo sentimento que tenho em relação ao sucedido...um misto de violenta revolta e de profunda vergonha, por ser cúmplice (como humano que sou) de tamanha desumanidade.

Pela minha incompreensão da dimensão do acto, resolvi que “um dia iria a Auschwitz”; e fui. Mas confesso que continuo sem compreender; desde que entrei no campo, como mais um mero turista, não consegui pensar porque as emoções me vêm primeiro, e são devastadoras, as emoções.

Passado um ano, e por lembrança mediática do aniversário da libertação, decidi rever as fotografias que recolhi; em momentos que os nervos afastavam o meu dedo do botão da câmara. São os mesmos nervos que vão desviando os meus dedos do teclado com que escrevo agora...

De qualquer forma; achei de interesse partilhar esses momentos neste blogue.

Não sei se algum dia poderei lá voltar...


Os caminhos de ferro que traziam os prisioneiros e que acabavam entre os dois crematórios de Birkenau.


Os deambulatórios electrificados de Auschwitz.


Por entre os vastos campos relvados de Birkenau encotram-se ainda centenas de dormitórios, se é que assim lhes podemos chamar...


Nas latrinas comuns, o letreiro avisa: "Manter o silêncio."

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Coisas da Música – Mogwai ou os contornos da modéstia Q.B.

Na altura em que ouvi falar de Mogwai pela primeira vez foi no festival de Paredes de Coura, em 1999. Fiquei curioso por ver em palco uma banda escocesa pela primeira vez.

Enquanto eu estava deliciado por ouvi-los, eles foram forçados a deixar o palco; o público pareceu não gostar, em geral, e atiraram garrafas de água, em geral, aos elementos da banda; havia uma sede frenética de Guano Apes, que eram a seguir...mais perderam.

Perante a minha exposta vergonha e indignação passei de uma atitude indiferente a Guano Apes para uma atitude de franco desaconselhamento; amarrei a burra e encomendei o “Come on Die Young” para me deliciar sozinho, em casa.

O talento destes senhores é claro, para mim. A música, aparentemente simples, é o resultado de uma procura frenética de atmosferas melódicas eximiamente interpretadas. É bem verdade, é uma música que funciona bem melhor em estado-só do que no clima de um festival (se bem que o sucesso em festivais estrangeiros aponte o contrário...).

Pelos interstícios dos temas, escapam críticas sócio-culturais, apenas para quem assim as quiser interpretar; apesar do alinhamento ser quase exclusivamente instrumental, existem registos que apontam essa crítica (em grande força no álbum referido).

Assim, os Mogwai foram, para mim uma feliz descoberta, originária dum país, ao que sei, calmo e sem mexericos mediáticos, pelo menos no mundo da música. A humildade e despojamento são aparências; as melodias têm volume; as ideias, têm um propósito: é a maturidade musical que encontramos comunicada; a matriz é a abertura à subjectividade, aliás, como deve ser a música; mesmo quando os objectivos são o intervencionismo. Deixem falar quem sabe – não interrompam.

Eles continuam a trabalhar, com gosto; com certeza expectantes por serem absorvidos e colmatados por todos os ouvidos inquietos.

Sendo uma formação tipicamente “rock”, é surpreendente a forma como definem os seus próprios limites e se apercebem das potenciais virtudes. É essa a “source” de tanto gosto naquela que é uma das bandas “rock” mais adultas e originais da contemporaneidade.

Ouvir coisas, é aqui.

Levantem o volume ;-)


Coisas da Música - Mogwai


Mogwai, Sad DC

Há mais no entreter.

Coisas da Vida - velocidade e engrenagem

Ficam pobres, as pessoas que deixam de olhar para os pormenores. E os pormenores estão tanto no mundo grande como no mundo pequeno; não é uma questão de escala, é uma questão de distância. Observar é estar mais perto e ir cada vez mais longe.

Estar entretido é uma constante, mesmo quando se pára. Felizmente, a vida não pára; é para mim uma volúpia pensar que corro à sua frente, em vez de correr atrás dela.



M. C. Escher

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Coisas da Vida - clorofila


É boa a sensação que permanece quando percebemos que nos lagos límpidos e esquecidos ainda podemos mergulhar.

Coisas das pessoas - um homem do seu tamanho

Ele passava os dias assim. Caminhava contra o sol e agradecia quando algum automobilista o deixava passar na passadeira.

Usava as mãos e os nós dos dedos para perceber que tipo de som saia do corrimão metálico ou da parede revestida a madeira; enquanto caminhava para outros afins e afãs.

Gostava de ajudar; especialmente com palavras. Não lhe era difícil usar as palavras. Frequentemente assentava ideias que lhe ocorriam e dizia para si próprio “Este poderá ser um bom conto ou, quem sabe, um livro.”

Quando se apaixonava era usual pegar na guitarra, quando só, e dobrava-se sobre ela, esperando que as notas que tocava fizessem música; ficava anos a trabalhar sobre uma música; a elevá-la ao ponto de a esquecer e, quando isso acontecia, ele sorria, porque não era mais a guitarra que o comandava – surgia o deleite de ouvir, só.

De quando em vez, havia odores que o faziam recuar a doces memórias; muitas delas eram já poeira, nevoeiro – mas, ainda assim, eram doces mistérios.

Os seus quadros eram como as músicas; na maioria, ficavam inacabados e com um odor a expectante terebintina.

Gostava de fazer nenhures; aquilo que se faz quando se faz nada, sim, porque fazer nada não é fácil e é bom. Costumava dizer que os melhores laivos de tempo são aqueles que não se sentem.

Gostava de cozinhar, a meia-luz; tratava com carinho cada pedaço de cebola. Adorava moinhos de pimenta – o objecto, o odor e o som dos grãos a serem quebrados.

Na fotografia, procurava captar aquilo que o olho não vê; a textura da pele de um pequeno insecto, aquilo que veríamos se os olhos estivessem nos nossos pés.

Dava-lhe muito prazer ter em casa muitos livros; um leque de opções que satisfizessem o súbito desejo de ler algo diferente.
Ia ao cinema para esquecer-se que estava dentro de um. Comovia-se com filmes simples. Comovia-se também com documentários sobre animais.

Ele passava os dias assim e, de cada vez que acontecia algo de mau, bebia água e telefonava a alguém que já não via a algum tempo e, assim, os dias passavam.

Não era maior que ele próprio; era exactamente do seu tamanho.


Foto de Dmitri Goutnik

terça-feira, janeiro 25, 2005

Coisas da Música - Ian Nagoski


A Joy Forever, Ian Nagoski

Há mais no entreter.

Coisas da Fotografia - R. Gardiner


Walk Thames Cannon, R. Gardiner


Washington Square Chairs, R. Gardiner

Coisas do dia de hoje - Palavras

Arquivar é deitar fora coisas semelhantes de uma forma organizada, em preteleiras.

Coleccionar é obter e organizar coisas pouco diferentes em prateleiras.


Coisas de Cinema - King Kard

Hoje, tomei conhecimento da existência do King Kard.

É possível ir ver os filmes que quisermos, quantas vezes quisermos por 13€/mês.

Bom proveito ;-)

Obrigado A.L.

sábado, janeiro 22, 2005

Coisas Sórdidas - rituais urbanos

Sempre me disseram que onde vivo (Sintra) existem coisas muito estranhas e asatanadas. Tenho visto muito pouco, muito pouco...

Mas há coisa de uma semana passava em frente da Culturgest e vi uma galinha de gasganete cortado em cima de uma das caixas telefónicas que existem em frente à CGD. Havia sangue no chão e as pessoas ficavam horrorizadas por lá passar.

Isto foi em Lisboa, em pleno CBD!

Tenho pena de não ter uma máquina fotográfica à mão...

Nunca vi galinhas mortas na serra...mas as histórias continuam a ser contadas.


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Coisas da Gentileza - a cidade branca

Fica o nosso agradecimento à referência que o Cidade Branca faz ao Muitas Coisas.

Obrigado.

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Coisas da Aristocracia - "Somos quadrados e estamos bronzeados!"

O Tsunami ladra e a vergonha passa...







Obrigado, J.P.

Coisas da direita - Assassini!

Em Praga estranhei que se pagásse para entrar na rua onde se pagaria para aceder ao antigo apartamento do Kafka onde, por ventura e eventualmente, se pagaria para fazer outra coisa qualquer; em Budapeste, fui repreendido duas vezes por fumar em ruas onde, aparentemente, isso era proibido e fui multado 3 vezes no autocarro por não possuir título de transporte (apesar de ter-me esforçado, ainda hoje desconheço a forma de se adquirirem os ditos bilhetes...). Mas viajar é bom e um tipo esquece.

O mais chato é quando se lê coisas no jornal como esta:

"O município de Veneza decidiu pôr fim a um dos maiores atractivos da cidade: comer na Praça de S. Marcos. A decisão afecta os turistas que eram autorizados a comer uma sanduíche ou uma fatia de pizza sentados nas escadas. Continuará a ser permitido comer nos restaurantes e cafés. Mas é preciso cuidado se se tiver com muita sede: até beber enquanto se passeia é proibido."

Jornal Metro, Roma (publicado hoje no nosso Metro)

Ora, o que é que esperavam seus vadios?!? Assassinos! Vamos correr a xungaria toda a pontapé! Agora comer e beber aqui?!? Qual é o problema?!?! Além de vadios são parvos, arre!



Um áparte: será que também têm planos para os galheteiros?

quinta-feira, janeiro 20, 2005

Coisas da Música - Harold Budd

Fica também música espacial de um talentoso senhor, Harold Budd, para acompanhar a leitura do McEwan, ou então não.


Harold Budd, Breathless ... I (with Zeitgeist)


Harold Budd, Pantomime ... (with Zeitgeist)


Harold Budd, The Room (Fila Brazillia Mix)

Coisas da Literatura - Atonement

Fica aquilo que, em vez de chamar "um longo post", prefiro chamar "um alargado deleite".

Deliciem-se:

"Pensou que ela estaria prestes a revelar a existência de um obs­táculo intransponível - alguém, obviamente - mas ela não perce­beu. Ficou sem saber o que responder e olhou para ele, bastante confusa. Por que estava a chorar? Como poderia dizer-lhe se estava completamente dominada pela emoção, por muitas emoções? Robbie por sua vez, pensou que a pergunta era injusta, desajustada e tentou descobrir uma maneira de a reformular. Olharam um para o outro, desorientados, sem conseguirem falar, sentindo que algo cuidadosa­mente estabelecido entre eles poderia fugir-lhes. O facto de serem amigos que tinham partilhado a infância constituía agora uma bar­reira - estavam embaraçados com o que tinham sido. Nos últimos anos a sua amizade tinha-se tornado vaga e até um pouco forçada, mas continuava a ser um velho hábito, e quebrá-lo agora para se tor­narem desconhecidos em termos íntimos obrigava a um discernimento total relativamente aos seus objectivos, que os tinha temporariamente abandonado. De momento, parecia não haver saída possível através das palavras.

Ele pôs-lhe as mãos nos ombros e sentiu a frescura da sua pele desnudada. Quando os seus rostos se aproximaram, Robbie não sabia ao certo se devia pensar que ela iria fugir ou, como nos filmes, dar-lhe uma bofetada na cara com a mão bem aberta. A boca dela sabia a batom e a sal. Afastaram-se por um segundo e, depois, ele rodeou-a com os braços e voltaram a beijar-se, já com mais con­fiança. Encostaram temerariamente as suas línguas, e foi nesse mo­mento que ela emitiu o som descendente, ciciado que, como mais tarde Robbie compreendeu, marcou a transformação. Até esse mo­mento, tinha continuado a haver qualquer coisa de ridículo em ter um rosto familiar tão perto do seu. Sentiam-se observados pelas crianças que tinham sido. Mas o contacto das línguas, daquele músculo vivo e escorregadio, daquela carne húmida, e o som estranho que esse contacto provocou nela, mudaram tudo. Foi como se aquele som tivesse penetrado nele, como se o tivesse rasgado, deixando o seu corpo aberto, e ele tivesse podido então sair de dentro de si e beijá-la livremente. O que anteriormente tinha sido consciente era agora impessoal, quase abstracto. O suspiro que ela tinha dado tinha sido impetuoso e tinha-o deixado insaciável. Empurrou-a mais para o canto, entre os livros. Enquanto se beijavam, ela começou a puxar-lhe a roupa, a tentar desabotoar-lhe a camisa e tirar-lhe o cinto, mas sem efeito. Inclinaram as cabeças e encostaram ainda mais o rosto um ao outro, ao mesmo tempo que o beijo se tornou devorador. Cecília deu-lhe uma dentada na maçã do rosto, não totalmente por brincadeira. Ele afastou-se, depois voltou a aproximar-se dela, e ela mordeu-lhe no lábio inferior. Depois ele beijou-a no pescoço, encos­tando-lhe a cabeça às prateleiras, e ela agarrou-o pêlos cabelos e afundou-lhe a cara nos seios. Ele tacteou um pouco, por inexperiência, até encontrar o mamilo dela, pequeno e duro, que rodeou com os lábios. Ela ficou rígida, muito direita, mas depois estremeceu de alto a baixo. Por momentos, Robbie pensou que ela se tivesse descontrolado. Cecilia tinha os braços à volta da cabeça dele e, quando os cerrou mais, ele foi obrigado e levantar a cara para poder respirar. Depois abraçou-a, puxando-lhe a cabeça contra o seu peito. Ela tor­nou a morder-lhe e puxou-lhe a camisa. Quando ouviram um botão a cair no chão, tiveram de suprimir o sorriso rasgado que ostentavam e desviar a cara. A comédia tê-los-ia destruído. Cecilia prendeu o mamilo dele entre os dentes, provocando uma sensação insuportável. Robbie levantou-lhe a cara e, prendendo-a contra si, beijou-lhe os olhos e entreabriu-lhe os lábios com a língua. Cecilia abandonou-se, fazendo outra vez o mesmo som, como se fosse um suspiro de desi­lusão.

Eram finalmente desconhecidos; tinham esquecido os seus pas­sados. Também eram desconhecidos para si próprios, esquecendo quem eram ou onde estavam. A porta da biblioteca era espessa, pelo que nenhum dos sons habituais que pudesse tê-los alertado ou impe­dido de continuarem poderia chegar até eles. Estavam para lá do presente, fora do tempo, sem recordações nem futuro. Não havia nada a não ser uma sensação obliterante, excitante e gratificante, e o som do tecido a roçar no tecido, e da pele a roçar no tecido, enquanto os seus membros deslizavam uns contra os outros, num combate inquieto e sensual. Robbie era pouco experiente e só por relatos de terceiros é que sabia que não precisavam de se deitar. Quanto a ela, Para além de todos os filmes que tinha visto, e de todos os romances e poemas líricos que tinha lido, não tinha qualquer experiência. Apesar destas limitações, não os surpreendeu a clareza com que conheciam as suas necessidades. Estavam outra vez a beijar-se. Cecília tinha os braços por detrás da cabeça dele e estava a lamber-lhe a orelha e a mordiscar-lhe o lobo. Estas dentadas excitavam-no e, ao mesmo tempo, enraiveciam-no, acicatavam-no. Sentiu as nádegas dela por baixo do vestido e apertou-as com força, tentando voltar-se de lado para lhe dar uma palmada retaliatória, mas sem conseguir espaço suficiente. Com os olhos fixos nos dele, baixou-se para tirar os sapa­tos. Voltou a mexer-se desajeitadamente, para abrir botões e posicio­nar braços e pernas. Não tinha qualquer experiência. Sem falar, ele guiou o pé dela para a prateleira de baixo. Eram desajeitados, mas também naquele momento demasiado soltos para se sentirem enver­gonhados. Quando Robbie lhe levantou de novo o vestido justo de seda, sentiu que a incerteza que pairava no olhar dela reflectia a sua própria incerteza. Mas havia um único fim inevitável, e não podiam fazer nada a não ser avançar para ele.

Apoiada no canto das prateleiras pelo peso dele, Cecília voltou a pôr as mãos atrás do pescoço de Robbie, descansou os cotovelos no ombro dele e continuou a beijar-lhe o rosto. O momento propriamente dito foi fácil. Sustiveram a respiração antes de a membrana se ras­gar e, quando isso aconteceu, ela voltou-se rapidamente, mas sem deixar escapar nenhum som - parecia um motivo de orgulho. Apro­ximaram-se mais e depois, durante alguns segundos, tudo parou. Em vez de um momento de loucura extática, houve quietude. Fica­ram imobilizados não pelo facto espantoso de alguém ter chegado, mas por uma estranha sensação de regresso - estavam cara a cara, na penumbra, a olharem fixamente para o pouco que conseguiam ver do rosto um do outro, e agora era a sensação de impessoalidade que desaparecia. Claro que não havia nada de impessoal numa cara. O filho de Grace e Ernest Turner, a filha de Emily e Jack Tallis, amigos de infância, colegas da universidade, num estado de alegria expansiva e tranquila, foram confrontados com a profunda mudança que tinham sofrido. A proximidade de um rosto familiar não era ridícula; era inconcebível. Robbie olhou para a mulher, para a rapa­riga que sempre conhecera, pensando que a mudança estava nele pró­prio e era tão fundamental, tão fundamentalmente biológica, como o nascimento. Desde o dia em que nascera que nada de tão singular ou importante lhe tinha acontecido. Ela olhou-o da mesma forma intensa, dominada pela sensação da sua própria transformação e pela beleza de um rosto que um hábito de toda uma vida a ensinara a ignorar. Sussurrou o nome dele com a determinação de uma criança que tenta identificar sons distintos. Quando ele respondeu com o nome dela, pareceu-lhe ser uma palavra inteiramente nova - as sílabas eram as mesmas, mas o significado era diferente. Por fim, ele proferiu as duas palavras que nem um gesto de arte menor nem de falta de fé po­derão jamais depreciar. Ela repetiu-as, com a mesma ênfase no pro­nome, como se tivesse sido ela a dizê-las em primeiro lugar. Ele não era crente, mas era impossível não pensar na presença de uma teste­munha invisível naquela sala, perante a qual aquelas palavras esta­vam a ser ditas em voz alta como assinaturas num contrato invisível.

Ficaram imóveis durante talvez meio minuto. Mais tempo do que seria necessário para o domínio de uma arte tântrica formidável. Começaram a fazer amor encostados às prateleiras da biblioteca que rangiam com o movimento deles. É bastante comum nesses momen­tos a fantasia de que se está a chegar a um lugar distante e elevado. Robbie imaginou-se a passear pelo cume arredondado e suave de uma montanha, suspenso entre dois picos mais altos. Caminhava sem pressas, com um espírito observador, e com tempo suficiente para se aproximar de uma escarpa rochosa e olhar para a ladeira quase verti­cal que daí a pouco tempo teria de descer. Sentia-se tentado a atirar-se para o vazio, mas era um homem do mundo, pelo que podia ir-se em­bora e esperar. Não era fácil, porque estava a ser puxado para trás e tinha de resistir. Desde que não pensasse no precipício, não se apro­ximaria dele e não seria tentado. Obrigou-se a pensar nas coisas mais desinteressantes que conhecia - graxa para sapatos, um formulário, uma toalha molhada no chão do seu quarto. Havia também a tampa de um caixote do lixo voltada ao contrário, com alguns centímetros de água da chuva lá dentro, e a marca incompleta de uma chávena de chá na capa do seu livro de poemas de Housman. O inventário precioso foi interrompido pelo som da voz dela. Estava a interpelá-
-lo, a convidá-lo, a murmurar ao ouvido dele. Exactamente isso. Saltariam juntos. Estava com ela, a espreitar para um abismo, con­seguindo ver a ladeira a desaparecer por entre as nuvens. Atirar-se-
-iam de costas, de mãos dadas. Ela repetiu a mesma frase, segredan­do-lhe ao ouvido, mas desta vez ele conseguiu ouvi-la claramente: - Entrou alguém."

Expiação, Ian McEwan

quarta-feira, janeiro 19, 2005

Coisas da Música - John Cage


John Cage, The Seasons (Summer)

Coisas da Literatura - La Reina de las Nieves

"Deve ser ao pores-te a pensar em sair, a fazer projectos, a relembrar culpas, então é claro, então é um inferno, porque se confunde o cá dentro com o lá fora. Mas se te limitares a estar aqui, sem perguntares a ti mesmo o que é isto e porque vieste cá parar, então é tudo mentira, tudo absurdo, e começas a sentir-te bem, não te afundas."

"Cada vez se me torna mais difícil distinguir entre a alucinação e a realidade, e a minha chegada aqui acentuou a ambiguidade dessa fronteira, que transpõem a seu bel-prazer as imagens de um campo para se introduzirem no outro, de modo que tanto faz que o tenha sonhado ou imaginado."

"Dormi, com efeito, no quarto donde tinham acabado de tirar o seu corpo (...)"

A Rainha das Neves, Carmen Martín Gaite

Um dos livros da minha vida...


terça-feira, janeiro 18, 2005

Coisas da Guerra - Arma Gay

Ora aí está um progresso; uma arma química, não letal, que tem um efeito afrodisíaco nas tropas inimigas; parece que é tão boa que, imediatamente, eles baixam as armas para se acariciarem.

Se tem que existir guerra, então que fosse assim...

Notícia publicada na NewScientist.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Coisas da Vida - Locos Horrendus



“Uma das coisas em ti que mais me surpreende, é a tua capacidade para lidar com as adversidades, torna-las em vitalidade.”

T.

Para quê perder tempo e vitalidade a queixarmo-nos quando podemos fazer das dificuldades a matéria prima dos nossos desejos?

As dificuldades fazem parte da sinfonia do caminhar; caminha-se sempre com uma pedra no sapato ou com uma poia na calçada. Mas é nesta completa conjuntura que os desejos se objectivam; é deste diálogo, entre a doce virtude e os temperos do inferno, que resulta o erotismo do caminhar.

Em suma, as dificuldades podem ser uma boa amizade. Como diz o Mestre Manuel Vicente “As dificuldades são amigas do arquitecto.” e com toda a razão.

Não se esterilizem, alienem-se, pelo que vos vale a pena.

domingo, janeiro 16, 2005

Coisas do Agora - Faço ou não faço?



Deixo uma passagem que conservo há, pelo menos, dez anos na minha memória. Creio ser da autoria de Siddartha Guatama:

“Só há um momento em que te podes condenar por não fazer algo que desejas, esse momento é: agora.”

Façam-no!

Coisas da Música - IVE

Ora aqui fica uma música antiga, "Inaudível Voz da Esperança"; composta, tocada e gravada por mim.

Está aqui.

Coisas do Cinema - Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004)

"Como são felizes as virgens inocentes!
O mundo esquecendo pelo mundo esquecido:
Brilho eterno de uma mente perfeita.
Cada prece aceita...
e cada uma com resignação".

Alexander Pope

Fico sempre lixado quando as pessoas me dizem que andam lixadas com as memórias. Onde é que está o “31” das memórias?!? Das boas e das más...

Quero dizer, é que essa história do “arrependimento” não me encaixa nada bem; nem essa história do “esquecer”, tão pouco. Tantas vezes que se fala do “esquecer” como se fosse uma deliberada atitude; não vejo como poderá sê-lo...a palavra “esquecer” nem devia ser um verbo, sequer.

“O tempo cura, o tempo vai passar...”; que “tempo”?!? É esta a espiritualidade do amor? Se sim, qual é a espiritualidade da vida? (se é que isso realmente interesse) Tantas vezes parece-me que as pessoas nobrificam mais o seu amor do que a sua vida...e digam-me vocês, habitantes do paraíso do amor, se ele sumir (o amor) o que é que fica?

O amor abstrai-nos da vida ou devolve-nos a ela? Das duas, três...

Mais, para mim, é com amor que se faz mais amor; como podem dizer “tenho que esquecer”?!? como se tudo se metesse em gavetas...

Todos os dias, misturo; todos os dias, se me esquece; todos os dias, se me lembra; todos os dias, faço por beber um sumo diferente e, milagre (ou então, não), tenho momentos de felicidade Q.B.

Já por aqui se falou do “peso da personalidade”, é verdade, pode existir, mas...e que tal mudar? Ou então, nem por isso.

Pelo medo de não sermos claros para os outros e para nós; afastamo-nos (o mais racionalmente que podemos) da contradição. Mas não é a contradição um fatalismo? A orgânica da vida é o que é, não se controla; não se dispõe do controlo, dispõe-se do mistério. Mais, creio que o medo advém de uma outra coisa: o medo de ter medo. A vida não foi feita para ser estável; a nossa natureza é bem mais a da “dependência”, até...

O medo da contradição compromete o viver; mais, compromete aquilo que tenta enaltecer: a Comunicação, a Confiança, a Cumplicidade (regra dos 3 C’s ©Arroz de Estragão).

Viver é uma arte, e amar é apenas uma “técnica” divagante e exploratória do viver; não se lixem, aproveitem-no quando ele aparece e façam-no saudável.

Eu não queria ser uma virgem inocente; eu sou uma virgem inocente, ponto final

Dêem paz ao amor.

Ah, a propósito, o filme é lindíssimo :-)


sábado, janeiro 15, 2005

Coisas da Fotografia - Mark Duffy V


Northern Dock, Mark Duffy


Saskatchewan at Dawn, Mark Duffy

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Lynx Lake, Mark Duffy

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Predawn in the North, Mark Duffy

Coisas da Fotografia - Mark Duffy IV


South Island Sail, Mark Duffy


Larounge Storm, Mark Duffy


Tony Fishin, Mark Duffy

Coisas da Fotografia - Mark Duffy III


Tire Tracks in the Field, Mark Duffy


Prairie Lines, Mark Duffy


Dirt Road trough the Crops, Mark Duffy


Prairie Farm Mark, Mark Duffy


Saskatchewan Storm, Mark Duffy

Coisas da Fotografia - Mark Duffy II


Cow on Hill, Mark Duffy


Night Bench in Winter, Mark Duffy


Moose Jaw Fire, Mark Duffy


Full Moon Saskatchewan, Mark Duffy

Coisas da Fotografia - Mark Duffy I


Night Water Cannon,
Mark Duffy


Fighting the Fire,
Mark Duffy


Fire Fight,
Mark Duffy


Police during Fire, Mark Duffy